Agudas e Crônicas: O Olhar Clínico 

Cristina Konder, Colunista de Literatura 
Especial Para Universo Sefarad
 

No segundo livro (de bolso ou de bolsa) da coleção Postagens Sagazes, da editora Talu Cultural, Nelson Nisenbaum vai surpreendê-los com abordagens sofisticadas, mas de fácil leitura, sobre diversos assuntos. O título deste livro já desperta o nosso interesse e mostra sua criatividade.

Nelson nasceu no Rio de Janeiro em 1960. Aos seis anos foi para São Paulo, onde vive até hoje. Este carioca/paulista formou-se médico pela Santa Casa de São Paulo em 1984 e começou sua vida profissional como professor nas áreas básicas de medicina.

Em São Bernardo, trabalhou na área de saúde pública de 1990 a 2014. Aí iniciou sua vida de militância, tendo sido membro do Conselho Municipal de Saúde e delegado do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Especializou-se em Clínica Médica. Amante das Artes e da Música, participa até hoje do Coral “A Tempo”.

Seu livro é uma viagem maravilhosa por sua biografia. A começar pelo Prefácio, de Francisco Horta, que avalia “a vida como a troca de tempo por sentimento”. Diz que “Um livro é o exemplo mais bem-sucedido de como a sabedoria humana pensou sobrepujar o tempo”. E finaliza seu texto numa exortação: “Que pela humanidade transformemos nosso tempo em conhecimento e pela partilha alcancemos o que for eterno.”

Daí, Nelson Nisenbaum nos pega pela mão e nos leva numa generosa viagem de conhecimento. Passeamos por crônicas curtas do nosso quotidiano, semeado de cultura na forma de música e arte; de acontecimentos trágicos ou cômicos; de filosofia, de história, de medicina.

Navegamos em águas turbulentas, como em A Fórmula do Bem e do Mal : “onde o mal existe quando o indivíduo age em função apenas de suas motivações e desejos pessoais, sem ponderação sobre os interesses e necessidades do grupo do qual faz parte”; em A facada “estamos no estado de arte da destruição da democracia”; em A Moradia do Caráter numa Democracia Crucificada, onde o judeu Jesus mostrou seu maior destempero, segundo os Evangelhos, “ao confrontar a corrupção no Templo e os seu vendilhões”.

As águas continuam mais agitadas em A Nossa Luta, na discussão sobre a proibição da comercialização do livro Mein Kampf, de Hitler, sobre o “princípio da liberdade de expressão que se submete a modulações éticas e culturais no nosso cotidiano”. E continuamos nesse mar de ondas tão altas como A Onda do Mal, na qual afirma que “se a cosmologia moderna mostra que o Universo está se expandindo de forma acelerada, nossa sociedade parece seguir o mesmo rumo, onde as distâncias entre os poderes instituídos e os cidadãos só fazem aumentar.”

E finalmente o momento do sorriso e do relaxamento em A Loucura e a Cura – A Paciente que veio tarde. Aquela que procurou o médico quando já estava curada. E do sorriso ao enlevo e ao deslumbramento da Primeira Sinfonia de Brahms. E com direito a partes da estória dessa Sinfonia e do sofrimento do autor para compô-la. Nisenbaum, em sua generosidade, compartilha seu amor e conhecimento dessa música e nos encanta. Depois da leitura e da audição desta Sinfonia é impossível não responder a Philip, personagem de Françoise Sagan no livro Aimez-vous Brahms?, “Oui!”.

Impossível também não se apaixonar pela Sagração da Primavera, de Igor Strawinski, no concerto da Orquestra Sinfônica Jovem do Estado de São Paulo. Com direito a detalhes sobre a orquestração e instrumentos usados no poema sinfônico.

Águas ainda agitadas nos levam a Ciência e catástrofe: a tragédia da dioxina, onde temos a confirmação de que erros médicos podem ocorrer com o avanço da medicina e dos medicamentos. Nos levam também ao Marco filosófico sobre o aborto, mostrando que o aborto legal salva vidas. Assunto que é retomado em Sofismas, desonestidade e delírios no debate sobre o aborto.

Nelson, com a autoridade de judeu e homem de esquerda, disserta sobre sua posição com relação ao sionismo, a Israel e à Palestina. Com ele aprendemos suas fronteiras sobre estes assuntos e sua visão de mundo internacionalista.

E nos conta também sobre o Brasil, no título elucidativo de Baderna Política e em sua Carta Aberta a um Governador brasileiro, dirigida ao então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. E em Lula, o Pacifista dá com clareza, simplicidade e honestidade sua visão de nosso ex-presidente.

Em Mentes autoritárias nos mostra que “o mundo do autoritário é solitário, fantasioso, restrito, mas, uma vez alavancado, pode produzir o mal” e nos leva de novo a águas agitadas. Em O homem que venceu a morte – crônica de uma amizade perdida, demonstra como o perdão é difícil de ser dado.

E através do olhar generoso, competente, alegre e melancólico de Nelson Nisenbaum teremos feito uma viagem rápida, mas profunda pelo mundo, pelos acontecimentos e pela alma humana.

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